Série Filhos do Pecado
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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Apocalipse - Capítulo 1

Vanessa Araujo
1 - O Chamado

— AREL

Os quatro escolhidos estavam diante do trono de Deus. Os vinte e quatro anciãos o rodeavam, sem cessar seu canto de louvor. Os sete candelabros representavam as sete igrejas, e os espíritos dos quatro cavaleiros apocalípticos estavam em esferas de diamante.
— Eis que os herdeiros vivem – a voz do Rei ribombava naquela sala. O caminho até Ele era como um mar vítreo multicor. – Foram escolhidos como guardiões dessas criaturas. Caso venham a perecer, que essas vidas sejam novamente semeadas. Cabe a vós tal tarefa. Entrego a Ilke o espírito do sacrifício; para Daniel, o da coragem; para Rafael, o da fidelidade; e à Arel, o espírito da sabedoria da Nova Ordem do Criador.
As esferas de diamantes nos foram entregues. Eram tão mínimas quanto um grão de mostarda. Elas deveriam viver dentro de nós. Com as águas vivificantes que corriam direto do trono de Deus, engolimos tais sementes sagradas. Eram vidas dentro de vidas. Quatro arcanjos protegendo quatro cavaleiros. E essa era a nossa única missão, gerar a vida dos guerreiros escolhidos. Foi onde eu quase vacilei...
Apaixonei-me. E esse não foi meu pecado. Meu erro foi confundir meu coração, foi me enganar pela semelhança. Eu estava fissurado por uma herdeira da Nova Ordem, e fui tão cego em não enxergar tal fato que desviei meus caminhos...

*****

Estava apenas fazendo meu trabalho, cuidando das criaturas mais adoradas pelo meu Criador. Foi quando a vi. Uma criatura perfeita. Bastou apenas um olhar para desejá-la com todas as minhas forças. Cabelos como fogo, olhos de um verde puríssimo, pele alva... E o amor atingiu o meu coração.
Minha amada, minha querida...
Ela não era humana. Era a filha de um pecado, uma nephilin. A mais bela dessa espécie! A cópia perfeita de quem tanto amei.
Perguntei-me quem seria o genitor de tanta perfeição. Nem o céu foi capaz de abrigar tamanha beleza.
Aproximei-me dela, mas a criatura nem reparou na minha presença. Em meio aos amigos, ela sorriu. E o que eu não daria para que esse sorriso fosse meu? Daria minha vida por esse pecado.
A ansiedade foi tanta que cometi uma loucura. Caminhei em direção a ela e nos esbarramos propositadamente.
— Não olha por onde anda? – resmungou por entre os dentes.
— Desculpe-me, nephilin – respondi, apreciando a confusão em seus olhos.
— Como sabe disso? – perguntou, franzindo as sobrancelhas.
Não havia mais palavras em minha mente quando nossos olhares se cruzam. Milésimos de segundos neste mundo era como eternidade para os anjos. E aqueles olhos verdes, perfeitos e fascinantes, faziam-me tremer. Ela nunca me amaria, contudo, mesmo assim, eu morreria por essa criatura.
— Esquecerá este momento, nephilin – sibilei, sem deixar de fitá-la.
Eu ainda habitava a morada dos anjos, ainda provocava milagres. E esse foi o último. Fiz com que ela se esquecesse de tudo e voltei a caminhar como se nada tivesse acontecido...

*****

— É uma falta grave a que cometeu, arcanjo – alertou o Príncipe da Milícia Celeste, após escutar minha confissão.
— Não negarei meu erro, senhor.
— Arrependa-se, meu irmão, e teu lugar estará garantido aqui.
— Meu coração já foi tomado de amor por aquela criatura. Sinto muito, senhor – respondi.
— Uma pena, Arel. Entretanto, não posso permitir que continue a habitar nesta morada santa enquanto seu coração se rende pela filha de Caleb.
— Não há desculpas pelo meu erro. Aceito minha punição. Um dia nos encontraremos, irmão.
Despedimos-nos com um forte aperto de mão. Eu sentiria falta desse lugar, mas a visão que aquela nephilin me proporcionava era muito maior que qualquer outro prazer.
Havia um lugar onde ela estaria, um lugar que chamaria por ela um dia, um lugar que eu sempre visitava em busca dos antigos companheiros expulsos, a Cidade dos Nephilins. E foi para lá que rumei, sempre com a imagem daquela pequena em minha mente.
— Arel, meu amigo, é sempre bom te receber no nosso lar – falou Hazanel, assim que me encontrou.
— E o que diria se eu pedisse um espaço no reino dos excluídos? – inquiri.
Hazanel sorriu, entendendo o motivo de tudo. Então, respondeu:
— Mesmo sem ser esta a sua morada, você é o arcanjo que mais treinou nephilins aqui.
— A expulsão de vocês jamais seria empecilho para a nossa amizade, irmão Hazanel.
— E posso saber o nome dela? – ele perguntou, adivinhando o motivo da minha expulsão.
— Não sei o nome de minha amada, Hazanel, mas sei que é prole de nosso irmão Caleb.
— A filha de Caleb? – Hazanel indagou espantado. – Esse pecado é muito maior que o nosso, Arel. É proibido! Essas crianças não amam, são como seres sem alma.
— Nada farei para tê-la comigo, Hazanel. Mas não posso negar o que sinto. Por isso decidi me esconder aqui.
— Sempre será bem vindo nesta Cidade, arcanjo.
E a Cidade dos Nephilins se tornou meu novo lar, enquanto eu aquecia meu coração para acomodá-la carinhosamente, porque o amor me tomou de tal maneira que já era impossível não desejá-la.
Eu saía todas as noites só para ter o vislumbre de seu rosto. Torturei meu coração ao vê-la nos braços do filho de Ilke. Invejei aquele demônio que podia tocá-la, fitar seus olhos de perto.
A protegeria de tudo, morreria por ela. Porém, me manteria longe, respeitando as regras da vida. Tornei-me um masoquista desvairado, totalmente entorpecido por aquela nephilin.
A pequena prole de Caleb não era nenhuma santinha. Vivia aprontando um mundo de peripécias aos que estavam em seu redor. E o que eu tanto temia aconteceu. Ela cometeu seu erro, um fato iminente.
A nephilin fugiu pela noite. Mantive-me em seu encalço, enquanto ela desviava os caminhos, acreditando que um demônio a perseguia.
— Minha amada, já matei os demônios que te caçavam – sussurrei, observando-a do alto de um telhado.
Ela entrou na casa do meu maior inimigo, o filho de Ilke.
Aguardei, esperei ansioso para que ela saísse sozinha. E minha espera foi abençoada com meu pedido. Persis a dispensou.
Ela seguiu para outro destino, enquanto o filho das trevas a idolatrava.
— É chegada a hora, meu irmão. Minha filha corre perigo e te agradeço pelo que fez por ela – falou Caleb, surgindo ao meu lado.
— Mesmo sendo expulso, minha missão é proteger. Cuide de sua prole, pois retornarei agora para meu novo lar – respondi, escondendo a verdade daquele que poderia ser meu sogro.

Deixei-a aos cuidados do melhor e mais forte arcanjo, Caleb – seu pai. – E fui viver um sonho imaginário...

Apocalipse - Capítulo 1

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Apocalipse - Introdução

Vanessa Araujo

Introdução

Apocalipse

Esta palavra, provinda do grego – apockalypse –, ao contrário do que todos pensam, não significa a guerra do fim, mas a revelação de muitos segredos relacionados ao tema. E é exatamente disso que se trata essa história, de revelações obscuras a respeito de tudo.

*****

O mundo mudou o seu rumo e seu destino. Fatos desencadearam quedas de anjos e arcanjos, exércitos foram tomados e o mundo humano vivia agora a revolta ao antigo clero, o poder da Igreja de Cristo. Os rebeldes tomaram suas armas e a terceira grande guerra mundial se iniciou.
Eu provoquei o caos em ambos os mundos.
Eu trouxe o Apocalipse para os anjos e os humanos.

E, agora, encontrava-me diante de único destino: lutar até a morte.

Apocalipse - Introdução

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Nova Ordem - Capítulo 1

Vanessa Araujo
1 – Descoberta


Olhando meu próprio reflexo.
Encontrando um novo ser.
Vi minhas marcas e pensei no que elas significavam. Uma águia estendia-se desde o meu ventre, e suas asas quase alcançavam meus seios. Tribais angélicos nos braços mostravam a ordem e a linhagem a qual pertencia.
Toquei em cada linha. Era quente, mas suave.
E, para isso, eu precisei conhecer os prazeres da carne. O ato mais descriminado pelos humanos foi o mais sagrado dos anjos. Ele me trouxe a vida que eu não sabia que tinha o direito de ter.
— Encantada? – ele perguntou, abraçando-me por trás.
— Surpreendida. Não esperava por isso – respondi, enquanto levantava meu braço para alcançar seu rosto perfeito. – Sempre soube disso?
— Desde que descobri quem eu era.
— Hazanel? – inquiri, iniciando meu teste com o demônio.
— Confiando na sabedoria da Nova Ordem, ou seja, você.
— Meu pai?
— Acreditando. Ele sempre lutou para fazer de ti a melhor dos herdeiros.
— Persis, e agora?
— Agora veja suas asas, minha rainha.
Abri meus novos membros, tão pouco usados para sua real finalidade, tornando-se apenas um instrumento que eu usava para surpreender meus inimigos. Sempre depositei minha força nas minhas habilidades de luta, nunca no fato de ser uma criatura alada.
Olhei para os membros que eu lutava para esconder e eis que me maravilhei com o que descobri: penas prateadas, jamais vistas.
Diferentes.
Únicas.
Perfeitas.
Sorri.
Eram minhas!
Eu tinha asas, hora de aprender a voar.
— Prata! – exclamei, sorrindo.
— A sabedoria é como prata, saber usá-la é como ouro, Lienne – respondeu-me ele, retribuindo o mesmo sorriso.
— Por que as suas são negras?
— O sacrifício que enegrece a vida de quem o carrega. Meu destino é marcado pelo fim.
Virei e o encarei. Eu não aceitaria isso, não agora que tinha descoberto toda a verdade, não agora que meus planos eram outros.
— Podemos mudar isso, Persis – declarei convicta.
— Como, minha rainha? Profecias são apenas certezas que temos que aceitar.
— Não, porque eu não aceito isso. Matarei Liel e a profecia não se cumprirá.
— E comprará briga com o maior dos arcanjos? Apollyon não é o que parece.
— A força bruta não vence um bom raciocínio – rebati, gabando-me de um dom do qual jamais fizera uso por completo. Porém, se tratando do Rei das Trevas, não seria necessária uma mente dotada de inteligência. – E sabedoria é algo que ele não tem. Confie em mim, porque eu realmente morreria por você, Persis – menti.
Ele tomou meu rosto entre suas mãos e depositou um forte e inebriante ósculo em meus lábios. Perguntei-me como quase deixei essa felicidade escapar... Persis me pertencia, ele mudou os fatos, mudou minha história, iria se sacrificar por mim e por todos os outros.
— Agradeço sua dedicação, Lienne. No entanto, jamais permitiria tal ato - declarou, pousando um suave beijo em minha testa. – Eu morreria antes.
— Como ficam Adramalech e Kali? – perguntei, mudando o rumo da conversa.
— Eles são nephilins.
— Claro, precisam passar pelo teste – concluí, revirando os olhos.
— Fez um bom trabalho com Mikael e Sephora, sei que fará o mesmo com eles.
— Caleb fez um bom trabalho – corrigi –, eu só o representei.
— Que seja. Saberá como agir. Lembre-se que estarei ao seu lado sempre.
— Leve-me à minha casa, Persis – pedi. – Para que nossos planos deem certo, preciso continuar meu teatro com Apollyon.
— Não.
— Como disse? – inquiri, arqueando as sobrancelhas, sem acreditar que ele fosse mesmo capaz de me desafiar.
— Eu disse que não, Lienne. Não quero esse demônio asqueroso com suas mãos sujas no seu corpo. Você é minha agora, não permitirei tal afronta.
— Meu coração, meus pensamentos e até mesmo minha dedicação a essa luta é sua. Contudo, o corpo é meu e faço dele o que bem entender – retruquei com firmeza. – Sabe que essa é a única maneira de mantê-lo sob nossas rédeas. Portanto, deixe de ciúmes infundados e me leve para casa.
Suspirando derrotado, ele respondeu:
— Vista-se.
— Me diga como, pois meus trajes viraram trapos em suas mãos.
— Aproveitemos o momento – comentou com malícia, mostrando que seu brio falava mais alto. – Seja minha uma vez mais.
Um beijo intenso renovou a chama fraca, deixando meu corpo em brasa, pronta para me entregar novamente ao melhor prazer de todos, o sexo dos anjos.
As mãos de Persis percorrendo meu corpo me arrancavam suspiros eróticos.
Ele me jogou em sua cama, enquanto seus lábios desciam, marcando cada centímetro do que agora lhe pertencia. Éramos iguais, com as mesmas marcas. Amantes desenhados em perfeita sincronia.
Subitamente, fui possuída, permitindo sem frescuras que ele me tomasse, enquanto nossos olhos se fixavam em um fitar promissor.
“Divino prazer, por que fugi de ti por tanto tempo?” – inquiri mentalmente.
Meu sacrifício, meu amado, meu amante... Tudo nele era perfeito. Perdi-me na profundidade de seu olhar, azul como o céu, um olhar que me levava a viajar em sonhos exímios.
Nossas mãos, entrelaçadas; nossas bocas, abraçadas; nossos corpos, unidos. Um Paraíso vivido em atos sagrados, corrompido em deliberado pecado. Corpos como instrumentos, tocando a melodiosa canção do amor.
Meu pescoço virou o alvo de seus lábios. Com lambidas quentes, ele me fez gemer. Com um único sussurro, me fez arfar.
— Eu te amo, Lienne.
Agarrei forte em seus cabelos e trouxe sua boca de volta à minha. Mordi seus lábios, o apertei junto a mim, com um medo inexplicável de perdê-lo de repente.
Após alcançarmos o clímax do prazer, nossos corpos explodiram em busca de ar. Sua cabeça repousou em meu colo e eu o acariciei na face. Um demônio e seu anjo. Dois amantes invertendo as posições. Prendendo-me em um forte abraço, ele clamou:
— Nunca morra, anjinha. Seja minha para sempre.
Eu seria, enquanto o “para sempre” durasse. Porém, o sempre nunca nos daria o “para sempre”.

Anjos choram, e a Nova Ordem também conhecia as lágrimas, porque ambos choramos...

Nova Ordem - Capítulo 1

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Nova Ordem - Introdução

Vanessa Araujo

Introdução

A Nova Ordem

O mundo passa, o tempo passa, tudo passa...
A Nova Ordem foi um mandado equivocado dos homens, eles entenderam que uma nova igreja, com novos propósitos e doutrinas, estabelecendo uma falsa paz mundial, fosse o início de um novo tempo, um tempo onde todos teriam os mesmos direitos, deveres, situação financeira, oportunidades, estudos, qualidade de vida e tudo mais que sempre sonharam. Talvez, para a humanidade, o termo fosse correto. Entretanto, para os alados, para o mundo sobrenatural, o meu mundo, a Nova Ordem significava o início do fim.
Quatro cavaleiros apocalípticos reunidos, prontos para receberem a revelação de um rolo ainda selado, prontos para executarem a destruição iminente do mundo. Soldados dispostos, escolhidos, nascidos de arcanjos, para receber a Nova Ordem. E eu era um deles. A líder, aquela que decidiria o destino do mundo humano, dos anjos, dos demônios... E o meu próprio destino não estava em minhas mãos, mas eu faria de tudo para tomar o controle da situação, porque não pode ser derrotado quem está determinado a vencer.
Se a Nova Ordem era separar o joio do trigo, minha ordem seria de exterminar o trigo e juntar o joio em um exército único. Foi assim que dei início a uma guerra inusitada, pois apenas dois exércitos estavam preparados para labutarem em tamanha peleja, e eles não contavam com a surpresa que preparei para todos.
O mundo me venceu certa vez. Agora, eu massacraria o mundo como um inseto debaixo dos meus pés.

Eis a Nova Ordem: matar e vencer, vencer ou morrer. E a morte não estava em meu script...

Nova Ordem - Introdução

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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Exodus - Capítulo 1

Vanessa Araujo

1 – Odiando

O tempo não passava longe dele, era como perder a importância de viver, era como não ter forças... E ele disse que estaria ao meu lado quando eu perdesse minhas esperanças.
“Onde você está agora? Perdi tudo”.
Deserto inóspito e sem vida, uma longa caminhada até o verdadeiro destino. Sem ele, nunca chegaria, o tempo não passava.
Nunca me importei com nada, jamais dei o devido valor aos sentimentos alheios, até que o conheci.
“Por que me deixou sozinha? Eu te amo”.
Um caminho sombrio... Não o acharia tão triste se eu não amasse. Tudo era melhor antes, porque nada doía. A traição era apenas um ódio a mais, e a falsidade era somente um sentimento vil. As mentiras, os enganos... Tudo era só uma fantasia. Amar era pior.
Carreguei comigo a prova de que um dia fui feliz. Por um breve momento, senti algo bom dentro de mim. Foi como um sonho.
E, agora, caminhando pela noite gelada do deserto, tentando encontrar o caminho de um lugar que pensei ser a minha casa, com o coração partido pelas feridas deixadas para trás e o corpo deformado com asas grandes que nem imaginava como funcionavam, entendi o quanto estava errada. Meu único e verdadeiro lar sempre foi o meu próprio coração. E esse lar estava maculado. Sobrou apenas um turbilhão de destroços. Estilhaços de uma vida corrompida.
A partida era sempre mais difícil. Ela trazia lembranças. E meu rosto tomou outra forma. A tristeza partiu. O ódio tomou conta.
Avistei a cidade.
Já estava nela.
Escalei uma imensa construção gótica, com os gárgulas - figuras que me lembravam Adramalech -, por companhia.
— O que te aguarda, novo mundo? Esqueceram que não morri? Esqueceram-se da minha volta?
Sim, eles esqueceram. Transformaram-me em um nada. Mereciam sofrer. Não estava ali para salvar, essa nunca foi minha intenção. Eu só queria vingança, e meu mundo era melhor assim, pois eu não sofria, só odiava.
De volta ao mesmo mundo.
De volta ao cruel lar dos humanos.
E a raça mais desprezada estava mais que disposta a lhes mostrar seu valor. Uma nephilin transformada em anjo voltava para atormentar muito mais que seus demônios. Em seus sonhos mais cruéis me encontrariam. Foram eles que me mostraram o caminho. Nenhum demônio matava seu irmão. Nenhum demônio jamais me traiu. Quanto aos humanos... Falsidade... Ganharam tudo o que queriam e, quando não precisaram mais de mim, descartaram a pior da prole dos anjos.
— Vivam, enquanto podem, nessa doce ilusão de que tudo está bem. Vivam seus sonhos, pois estão prestes a caírem.
Por onde começar?
Estranhamente eu conhecia o caminho do inferno.
Cumprir minha promessa, eis o objetivo.
Seguiria o intuito que me levava ao ódio.
— Pare, Lienne.
Virei e o encarei. Um déjà vu.
— Não se cansa de dizer sempre a mesma frase? – rebati.
— O que pretende fazer?
— Não sei. – Dei de ombros. – Saltar daqui. Espatifar-me no concreto. Não morrerei mesmo.
— Anjos sentem dor – alertou-me.
— Foi você quem me ensinou que ferir outro lugar desvia a atenção da dor principal. Meu coração lateja demais. É forte... e triste.
— Acha que ele não sente o mesmo? Acredite em mim, querida, sei tanto quanto você o tamanho da dor do amor.
— A dor de perder um grande amor, pai. O senhor a perdeu para a morte. Eu o perdi para a vida. Como me conformar com o destino, sabendo que ele existe e jamais poderá me pertencer?
— O ama tanto assim, minha filha?
— Mais que a minha vida, pai...
Anjos choram.
Eu chorei.
— Se o ama, ainda há salvação para você. Olhe – meu pai apontou para baixo, onde um humano estava sendo covardemente espancado por outros dois –, é a sua chance. Salve-o.
— Não! – respondi firme.
Os olhos de Caleb faiscavam indignados.
— Como não?
— Se tenho que curar minha dor com outra, que eu pule por vontade própria, e não para salvá-lo. Ganhei asas, mas não aprendi a voar.
— Salve-o, Lienne – ordenou Caleb.
— Não!
— O deixará morrer?
— Não foi o que fizeram comigo? Não desejaram que eu morresse numa fogueira inquisitiva? Eu não me importo com os humanos. São um monte de nada – resmunguei por entre os dentes.
Meu pai me fitou incrédulo por alguns segundos. Depois, em um elegante voo, rasando até o concreto, livrou o humano, colocando-o em lugar seguro.
E o arcanjo voltou para sua cria.
— Já te mostrei como fazer – declarou. – A decisão é sua. Mas prefiro te ver morta que ao lado de Apollyon.
— Me ver morta, papai? – Levantei as sobrancelhas em um fingido sobressalto. – Quem não é capaz de amar, os anjos ou os nephilins?
— Morra, Lienne.
Caleb me empurrou contra a mureta de segurança daquele telhado, fazendo com que eu me desequilibrasse e caísse de uma imensa altura.
Olhos fechados. Sentindo a gravidade me levar ao chão.
Dois membros movimentaram-se.
Nada podia me deter.
Eu voltei... Sorrindo. Eu tinha asas... E podia voar.
O rosto espantado de Caleb era como um prêmio a mim.
— Ainda se surpreenderá muito comigo, meu pai.
— Não pode ser – ele falava assustado, com a voz embargada.
O sorriso da vitória era sempre o melhor.

— Apenas aceite, pai, apenas aceite...

Exodus - Capítulo 1

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Exodus - Introdução

Vanessa Araujo


Introdução

A Dor de um Anjo

“ELE”

Por onde ela anda? Eu não saberia dizer, mas a falta que me faz é imensa. Aceitei meu trabalho nesta Cidade porque a amo, queria estar perto dela, tocar-lhe a face, sentir o cheiro daquela pele suave.
Eu aguentei o quanto pude, declarei todo o meu amor e, mesmo assim, tal sentimento continua como um segredo frio, escondido em meu coração.
Ela não faz ideia do quanto ansiei por tocar seus lábios com os meus, não tem noção do quanto isso foi fascinante. Minha vida era um nada, até que a encontrei. Como não me perder de amores ao ver aquele anjo de pele alva e cabelos vermelhos?
Eu pequei, não posso amá-la...
Por que eu te deixei, Lienne?

*****

LIENNE

O mundo não esperava pela minha volta. Nada havia mudado, o que não prestava sempre continuaria da forma que estava. A Igreja de Cristo ainda era o governo principal, as pessoas ainda se rendiam em suas soberbas fantasias de que eram os únicos seres que habitavam a Terra, e as criaturas sobrenaturais continuavam atormentando os fátuos humanos. Porém, algo havia mudado: eu!
Não mais uma nephilin. Uma alada, um anjo. Saí da minha morada, o único refúgio que, pelas dores, aprendi a considerar como lar, com o coração repleto de desentendimento e a mente dotada de um único desejo: vingança.
Se pelas minhas crenças tentaram me incriminar, pelas suas, os incriminaria.
Se pelo fogo ousaram me destruir, pelo fogo seriam eliminados.
Pois essa foi a ordem, olho por olho, dente por dente e... Vida por vida!
Que seja feita Vossa Vontade, assim na Terra como no... Só na Terra basta.
Subestimaram minha raça, minha essência, minha vida. Uma vez nephilin, eternamente nephilin.
Os nephilins amam.
Os nephilins cuidam.
Os anjos matam.
E eu mataria...

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Cidade dos Nephilins - Capítulo 1

Vanessa Araujo
1 – Fugir

Perdida.
Acabada.
Destruída.
Eu seria uma rainha, fiz uma promessa e fui vítima de meus próprios erros.
Não nasci de um deus nem de um demônio. Sou filha de um arcanjo caído, preso nesse mundo entre o céu e o inferno.
Estava sem esperanças, sendo perseguida por destruir vidas, tirando seu sangue e provocando dor. Muita dor!
Tentei fazer tudo certo. Não foi bem o que aconteceu. Desviei-me em algum lugar no meio dos sonhos. Mas, um dia, de algum jeito, consertaria meus erros. No momento, precisava fugir, alcançar o lugar que seria meu refúgio, a Cidade dos Nephilins.
Não faltava muito, porém, estava tão destruída que cada passo que dava parecia sem direção, um esforço inútil.
Cheguei a um ponto em que já não sabia se acreditava mais nas coisas que meu pai dissera. Tudo o que me aconteceu provocou essa dúvida. Mas eu estava lá... Precisava continuar, por alguém que amava, eu tinha que seguir. Ele morreu para que eu pudesse nascer. Sim, eu continuaria, em honra a sua memória, daria um sentido à minha existência.
Faltava pouco para o sol nascer e já avistava os portões da cidade. Meu pai não mentiu, ela existia! Então, tudo poderia mudar, tudo poderia ser diferente.
— Alto, Lienne! Pare onde está.
Virei para encará-lo.
— Pode me dizer o que foi que eu fiz agora? – resmunguei como criança impaciente.
— Eu disse que não seria fácil – respondeu, abrindo suas grandes asas negras.
— Mas eu cheguei! – protestei firme.
— Não é disso que estou falando.
Ignorei-o e dei um passo na direção do imenso portão. Rapidamente, ele se colocou diante de mim, impedindo minha passagem. Parei. Não ousaria enfrentá-lo em uma luta, eu estava fraca e ele sempre foi muito maior em poder.
— O sol já vai nascer, pai. Eu vou morrer, deixe-me passar – implorei em murmúrio.
— Morrerá de qualquer jeito – meu pai respondeu de maneira casual.
— Então, por que me mandou para cá?
— Diga-me, Lienne, por que deseja entrar na Cidade dos Nephilins? Para fugir de tudo? Para salvar sua vida daqueles que te perseguem?
— Para salvar minha vida... de certa forma. – A expressão no rosto de meu pai mostrava que ele não gostara da minha resposta. Precisei consertar. – Pai, eu sinto falta da vida, das cores do mundo, da luz do dia. Nem sei como cheguei nessa situação, não sei por que tenho que viver longe do sol. Cansei da escuridão. Passei por cima de tudo e, mesmo assim, fui derrotada. Chega de noites em minha vida!
Ele sorriu. Eu o convenci.
— Não será fácil lá dentro – falou, apontando para a cidade. – Entretanto, aprenderá a lutar, ganhará força, poder. Será como eu quando sair... Se conseguir sair.
— Mas eu vou ficar bem, não vou? – indaguei, mordendo os lábios.
— Você é forte. Só que eles são muito mais. Seus instrutores não facilitarão, mesmo que tenha que levar sua coragem até as últimas consequências. E quando parecer que é o seu fim, não ouse desistir de lutar, ou morrerá.
— Virá me visitar de vez em quando?
— No momento de encarar a tempestade, quando suas esperanças acabarem, é quando estarei aqui – sibilou, com o esboço de um sorriso estampado nos lábios, ternura contida nos olhos e os dedos hesitantes acariciando meu rosto com toques suaves. – Não perca a esperança, minha filha.
— Tão ruim assim?
— Demais...
Isso me assustou. E muito! Mas a luta que tinha do lado de fora daqueles portões eram maiores. Ou assim eu pensava.
— Eles te esperam, Lienne – avisou-me o genitor alado.
Sim, eles me esperavam. Meu pai já os tinha avisado e eu sentia o chamado. Dei mais dois passos em direção a Cidade dos Nephilins.
— Espere, Lienne – ordenou novamente. Virei furiosa e ele continuou: - Para entrar aí é preciso esquecer. Tem que esquecer-se de tudo, arrepender-se. Morrer.
— Já morri uma vez – respondi, por entre os dentes, ao lembrar-me de como tudo começou.
— Essa é a condição.
— Não fiz nada de que pudesse me arrepender, e posso morrer quantas vezes forem necessárias, jamais esquecerei o que fizeram comigo! – rebati, com ódio latente, mantendo os punhos cerrados.
— Minha filha, esse teu fogo, esse teu desejo de vingança, pode ser o instrumento que vai cavar seu túmulo – vociferou irado. – Deixe a vingança nas mãos de Deus!
— Deus? – Dei alguns passos e tentei encará-lo, o que foi inútil, o alado era muito mais alto que eu. - Onde está seu Deus agora? Cadê o seu Deus, papai? – indaguei, com os braços abertos e olhando em volta, um típico deboche teatral. – Diga-me, onde está Deus? Expulsando mais anjos do Paraíso?
Eu o magoei.
Essas palavras o deixaram estupefato, de boca aberta.
— Morra, Lienne.

Ele tocou minha fronte e eu morri.

Cidade dos Nephilins - Capítulo 1

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