1 – Fugir
Perdida.
Acabada.
Destruída.
Eu seria uma rainha, fiz uma promessa e fui vítima de meus próprios
erros.
Não nasci de um deus nem de um demônio. Sou filha de um arcanjo caído,
preso nesse mundo entre o céu e o inferno.
Estava sem esperanças, sendo perseguida por destruir vidas, tirando
seu sangue e provocando dor. Muita dor!
Tentei fazer tudo certo. Não foi bem o que aconteceu. Desviei-me em
algum lugar no meio dos sonhos. Mas, um dia, de algum jeito, consertaria meus
erros. No momento, precisava fugir, alcançar o lugar que seria meu refúgio, a
Cidade dos Nephilins.
Não faltava muito, porém, estava tão destruída que cada passo que dava
parecia sem direção, um esforço inútil.
Cheguei a um ponto em que já não sabia se acreditava mais nas coisas
que meu pai dissera. Tudo o que me aconteceu provocou essa dúvida. Mas eu
estava lá... Precisava continuar, por alguém que amava, eu tinha que seguir.
Ele morreu para que eu pudesse nascer. Sim, eu continuaria, em honra a sua
memória, daria um sentido à minha existência.
Faltava pouco para o sol nascer e já avistava os portões da cidade.
Meu pai não mentiu, ela existia! Então, tudo poderia mudar, tudo poderia ser
diferente.
— Alto, Lienne! Pare onde está.
Virei para encará-lo.
— Pode me dizer o que foi que eu fiz agora? – resmunguei como criança
impaciente.
— Eu disse que não seria fácil – respondeu, abrindo suas grandes asas
negras.
— Mas eu cheguei! – protestei firme.
— Não é disso que estou falando.
Ignorei-o e dei um passo na direção do imenso portão. Rapidamente, ele
se colocou diante de mim, impedindo minha passagem. Parei. Não ousaria
enfrentá-lo em uma luta, eu estava fraca e ele sempre foi muito maior em poder.
— O sol já vai nascer, pai. Eu vou morrer, deixe-me passar – implorei
em murmúrio.
— Morrerá de qualquer jeito – meu pai respondeu de maneira casual.
— Então, por que me mandou para cá?
— Diga-me, Lienne, por que deseja entrar na Cidade dos Nephilins? Para
fugir de tudo? Para salvar sua vida daqueles que te perseguem?
— Para salvar minha vida... de certa forma. – A expressão no rosto de
meu pai mostrava que ele não gostara da minha resposta. Precisei consertar. –
Pai, eu sinto falta da vida, das cores do mundo, da luz do dia. Nem sei como
cheguei nessa situação, não sei por que tenho que viver longe do sol. Cansei da
escuridão. Passei por cima de tudo e, mesmo assim, fui derrotada. Chega de
noites em minha vida!
Ele sorriu. Eu o convenci.
— Não será fácil lá dentro – falou, apontando para a cidade. –
Entretanto, aprenderá a lutar, ganhará força, poder. Será como eu quando
sair... Se conseguir sair.
— Mas eu vou ficar bem, não vou? – indaguei, mordendo os lábios.
— Você é forte. Só que eles são muito mais. Seus instrutores não
facilitarão, mesmo que tenha que levar sua coragem até as últimas
consequências. E quando parecer que é o seu fim, não ouse desistir de lutar, ou
morrerá.
— Virá me visitar de vez em quando?
— No momento de encarar a tempestade, quando suas esperanças acabarem,
é quando estarei aqui – sibilou, com o esboço de um sorriso estampado nos
lábios, ternura contida nos olhos e os dedos hesitantes acariciando meu rosto
com toques suaves. – Não perca a esperança, minha filha.
— Tão ruim assim?
— Demais...
Isso me assustou. E muito! Mas a luta que tinha do lado de fora
daqueles portões eram maiores. Ou assim eu pensava.
— Eles te esperam, Lienne – avisou-me o genitor alado.
Sim, eles me esperavam. Meu pai já os tinha avisado e eu sentia o
chamado. Dei mais dois passos em direção a Cidade dos Nephilins.
— Espere, Lienne – ordenou novamente. Virei furiosa e ele continuou: -
Para entrar aí é preciso esquecer. Tem que esquecer-se de tudo, arrepender-se.
Morrer.
— Já morri uma vez – respondi, por entre os dentes, ao lembrar-me de
como tudo começou.
— Essa é a condição.
— Não fiz nada de que pudesse me arrepender, e posso morrer quantas
vezes forem necessárias, jamais esquecerei o que fizeram comigo! – rebati, com
ódio latente, mantendo os punhos cerrados.
— Minha filha, esse teu fogo, esse teu desejo de vingança, pode ser o
instrumento que vai cavar seu túmulo – vociferou irado. – Deixe a vingança nas
mãos de Deus!
— Deus? – Dei alguns passos e tentei encará-lo, o que foi inútil, o
alado era muito mais alto que eu. - Onde está seu Deus agora? Cadê o seu Deus, papai? – indaguei, com os
braços abertos e olhando em volta, um típico deboche teatral. – Diga-me, onde
está Deus? Expulsando mais anjos do Paraíso?
Eu o magoei.
Essas palavras o deixaram estupefato, de boca aberta.
— Morra, Lienne.
Ele tocou minha fronte e eu morri.
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